segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

PASSAR A FORMAÇÃO PARA DENTRO DA PROFISSÃO




É preciso passar a formação de professores
para dentro da profissão
A frase que escolhi para subtítulo – “É preciso passar a formação de professores para dentro da profissão” – soa de modo estranho. Ao recorrer a esta expressão, quero sublinhar a necessidade de os professores terem um lugar predominante na formação dos seus pares. Não haverá nenhuma mudança significativa se a “comunidade dos formadores de professores” e a “comunidade dos professores” não se tornarem mais permeáveis e imbricadas. O exemplo dos médicos e dos hospitais escolares e o modo como a sua preparação está concebida nas fases de formação inicial, de indução e de formação em serviço talvez nos possa servir de inspiração.

A este propósito, merecem referência os estudos de Lee Shulman, designadamente um apontamento brilhante que escreveu recentemente, intitulado "Uma proposta imodesta".
Lee Shulman explica que um dia acompanhou a rotina diária de um grupo de estudantes e professores médicos num hospital escolar. O grupo observou sete doentes, estudando cada caso como uma “lição”. Havia um relatório sobre o paciente, uma análise da situação, uma reflexão conjunta, um diagnóstico e uma terapia. No final, o médico responsável discutiu com os internos (alunos mais avançados) a forma como tinha decorrido a visita e os aspectos a corrigir. De seguida, realizou-se um seminário didáctico sobre a função pulmonar

O dia terminou com um debate, mais alargado, sobre a realidade do hospital e sobre as mudanças organizacionais a introduzir para garantir a qualidade dos cuidados. Lee Shulman escreve que viu uma instituição reflectir colectivamente sobre o seu trabalho, mobilizando conhecimentos, vontades e competências. E afirma que este modelo constitui não só um importante processo pedagógico, mas também um exemplo de responsabilidade e de compromisso. Neste hospital, a reflexão partilhada não é uma mera palavra. Ninguém se resigna com o insucesso. Há um envolvimento real na melhoria e na mudança das práticas hospitalares.

Pela minha parte, advogo um sistema semelhante para a formação de professores: estudo aprofundado de cada caso, sobretudo dos casos de insucesso escolar; análise colectiva das práticas pedagógicas; obstinação e persistência profissional para responder às necessidades e anseios dos alunos; compromisso social e vontade de mudança. Na verdade, não é possível escrever textos atrás de textos sobre a praxis e o practicum, sobre a phronesis e a prudentia como referências do saber docente, sobre os professores reflexivos, se não concretizarmos uma maior presença da profissão na formação.

É importante assegurar que a riqueza, a complexidade e a beleza do ensino saiam do armário”, como pretende Lee Shulman, adquirindo a mesma visibilidade de outros campos de trabalho académico e criativo. E, ao mesmo tempo, é essencial reforçar dispositivos e práticas de formação de professores baseados na investigação. Estas propostas não podem ser meras declarações retóricas. Elas só fazem sentido se forem construídas dentro da profissão, se forem apropriadas a partir de uma reflexão dos professores sobre o seu próprio trabalho. Enquanto forem apenas injunções do exterior, serão bem pobres as mudanças que terão lugar no interior do campo profissional docente.


(António Nóvoa
In Conferência ‘Desenvolvimento profissional de professores para a qualidade e para a equidade da Aprendizagem ao longo da Vida’ 27 - 28 de Setembro de 2007)

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