Numa manhã da semana que passou, ao ligar a televisão, deparei-me com um psicólogo a afirmar, com aquela "autoridade de especialista", tão bem denunciada por Karl Popper, que as crianças, a partir dos oito anos, devem ver, com permissão dos pais, filmes pornográficos.
"De que tipo...", perguntou o entrevistador?.
"De todo o tipo", respondeu o convidado.
"Mesmo aqueles que...?".
"Mesmo esses", confirmou ele, e logo apresentou dois argumentos: primeiro, se as crianças não virem tais filmes em casa, descobrirão o mesmo na rua, com os amigos e, quem sabe, com adultos mal intencionados; segundo, só nos podemos pronunciar acerca daquilo que conhecemos, e, portanto, é preciso conhecer.
Não sei em que estudos o senhor se baseou para dar opinar com tanta segurança, nem sei, sequer, se existem estudos sobre os efeitos desse tipo de filmes no desenvolvimento. Ainda assim, gostaria de deixar a primeira nota que me ocorreu, das muitas que o assunto suscita: "aconselhar" tal "estratégia de aprendizagem" a crianças que estão no primeiro ciclo contrasta em absoluto com o conteúdo dos manuais escolares que lhe são destinados. Aqui é a candura da procura de um amigo, o civismo de separação do lixo, o elogio da natureza que prevalecem... Tudo envolto numa linguagem simples, ou simplista, conseguida pela supressão das passagens tidas por mais complexas e pela substituição de palavras menos comuns por outras que se usam no dia-a-dia.
Em suma, no que respeita a textos didácticos, presume-se que só se deve apresentar à criança aqueles que ela é capaz de entender sem qualquer dificuldade, sendo que, em geral, se subestimam as suas capacidades cognitivas. Porém, no que respeita a sexualidade, presume-se que a criança pode ver tudo e que tudo entenderá.
Bom, dirá o leitor, não são as mesmas pessoas que se pronunciam em ambos os campos. Pois, não são, de facto. Mas, paradoxos como estes, sobre a educação das crianças e jovens, que não podem ser mais pronunciados, emergem do modo de pensar da mesma sociedade, que é a nossa, que os vai deixando correr, sem conflitos de maior…
Por outro lado, dirá ainda o leitor, paradoxos em torno da educação sempre existiram. Sim, mas os paradoxos relativos ao rumo a dar à educação devem ser pensados, sendo que nessa tarefa de os pensar podem surgir boas ideias. E, para surgirem boas ideias, ajuda dispor-se de informação científica e/ou filosófica sólida.
Helena Damião
Consultora do CFIAP
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