domingo, 2 de agosto de 2009

PLÁGIO, ENCOMENDA E QUALQUER COISA ...



Toda a gente sabe, toda a gente concede, toda a gente encolhe os ombros. Refiro-me (mais uma vez) ao assunto do post anterior, a que o De Rerum Natura tem dado destaque: o plágio e a encomenda de trabalhos académicos do ensino superior para unidades curriculares (assim se chamam agora as disciplinas), estágios, mestrados, doutoramentos. Não menos grave é a apresentação de “qualquer coisa” devidamente encadernada, que se faz passar por obra substancial. Sem enveredar pela via da desculpa ou da relativização (já aqui dei a entender quão grave e intolerável acho o assunto) não posso deixar de tentar perceber as razões daquilo de que me apercebo no meu quotidiano na universidade e que colegas me contam, nem daquilo que leio nos jornais.

Junto essas razões na seguinte lista:

- Os prazos são cada vez mais apertados porque é pedido às escolas, quais fábricas que trabalham por encomendas, que respondam às necessidades de produção de diplomados do 1.º, do 2.º e do 3.º ciclos, e nas quantidades estabelecidas;

- Desvalorizados que estão os exames, os alunos são postos a fazer trabalhos em todas, ou quase todas, as unidades curriculares, as quais aumentaram significativamente nos últimos anos, uma vez que cada uma dos planos de estudos anteriores pulverizou-se em duas ou três, quando não quatro. Bem vistas as coisas, tal como no ensino básico, os cursos do ensino superior têm um currículo impossível, ao ponto de os alunos muitas vezes não saberem o nome das unidades curriculares que frequentam, muito menos daquelas que passaram e das que se seguem.

- Os professores que orientam os trabalhos têm inúmeras tarefas atribuídas: além da leccionação de aulas e seminários de várias unidades curriculares (longe vão os tempos em que se dedicavam a uma ou duas onde, se não eram, deviam ser especialistas) têm uma carga burocrática de funcionário público, compete-lhe a orientação tutorial, o esforço de internacionalização, a ligação à necessidades da comunidade, a investigação em equipas de excelência… Acresce que todas estas tarefas têm de ser geridas no quadro das suas carreiras, que estão longe de decorrer sem sobressaltos. Valorizando-se, nessa gestão, essencialmente (para não dizer apenas), os artigos em revistas de prestígio e pouco (para não dizer nada) tarefas como a leccionação ou a orientação tutorial, estas são relegadas para o fim da lista das preocupações de quem, muito legitimamente, quer ter reconhecimento académico…

- A avaliar pelas apreciações de colegas e de trabalhos que se confrontam, os alunos que chegam ao ensino superior capazes de fazer uma pesquisa e de estruturar e escrever um pequeno trabalho são, a cada ano que passa, mais raros. Por outro lado, habituados já estão ao “corta” e “cola” não percebem, muitos deles, que estão a fazer algo censurável, sob o ponto de vista ético e legal. Os que desconfiam ou sabem, percebem, desde cedo, que o esforço e o investimento não compensam, o mesmo já não acontecendo com a prevaricação;

- Mas não são apenas os alunos acabados de sair do secundário que recorrem a artimanhas várias para “despachar” trabalhos, adultos com responsabilidade intelectual elevada, fazem o mesmo.

- A sociedade concede em tudo isto: há os licenciados, mestres e doutores desempregados que montaram os seus negócios de “fazer trabalhos para fora”, é preciso compreender as suas necessidades; há a conversa do amigo que nos diz que no país tal, ainda é pior; há o senso comum que está longe de considerar, por exemplo, o plágio como crime ou a encomenda como desonesto… Afinal, que mal ao mundo daqui advém?

- Mas a razão que escrevo com mais apreensão neste texto é a seguinte: as escolas de ensino superior e os seus professores não têm sido capazes de, afirmativamente, sem ceder a pressões e argumentos, defender a essência de todas as escolas, com particular destaque para as de ensino superior. Essência essa que radica no valor do conhecimento e da sua investigação, bem como na honestidade que a deve guiar. Sempre, sem qualquer excepção.

Helena Damião
Consultora do CFIAP
(In blog Rerum Natura)

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