domingo, 3 de julho de 2016

DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES



O "senso comum acrítico": da formação de professores para a sala de aula

Os professores já não estudam filosofia, história ou sociologia 
enquanto estão em formação. Eu acho isso muito sério, porque
essas disciplinas eram uma base da profissão e hoje os estudantes
são formados quase como tecnólogos da educação, são 
preparados para oferecer conjuntos de instruções. 
Michael Young, 2014.

Preocupa-me muito o doutrinamento a que os professores estão constantemente sujeitos por via da formação pela qual passam, dos recursos que se lhe "oferecem", dos currículos que se lhes impõem, dos discursos dos múltiplos "parceiros educativos"... Há uma ideologia concertada que, exactamente por ser ideologia e por ser concertada, é difícil de detectar e de analisar, e ainda mais difícil de contestar e de recusar.

Sei bem que estamos perante um fenómeno antiquíssimo mas sei também que no presente, à semelhança de outros contextos conturbados e perigosos, a sua sofisticação é de um elevado profissionalismo e tem representação à escala global.

Surgem, no entanto, estudos de grande interesse. Dou, de seguida, conta de um publicado em 2007, da autoria de William Hare, professor no Canadá,  com o título Ideological Indoctrination and Teacher Education (aqui):
Os filósofos que se dedicam à educação têm-se preocupado com o fenómeno do doutrinamento no ensino, sobretudo por via do currículo e dos manuais escolares. Os alunos, estejam na escolaridade básica ou na secundária, não têm ainda um juízo crítico formado o que os deixa vulneráveis e susceptíveis à persuasão. 
Os professores, através do seu poder e autoridade, podem contribuir para tal, impondo crenças ao mesmo tempo que desencorajam o exame, o questionamento, as objecções. 
Nem sempre isto acontece de modo consciente e deliberado. Neste caso, talvez o mais frequente, a explicação é que o seu pensamento decorre daquilo que Karl Popper (1975) designou por “senso comum acrítico”. Em qualquer dos casos há o perigo real de os jovens adoptarem também esse tipo de pensamento. 
A doutrinação acontece quando as pessoas não adquiriram ou perderam a capacidade de avaliar as ideias com as quais se confrontam, ficando fechados nelas de tal forma que não conseguem ver alternativas. Para contrariar esta tendência e preparar os alunos para as reconhecer e lhes resistir é preciso que os professores tenham uma atitude crítica, que reconheçam o perigo do autoritarismo e do dogmatismo, e estejam permanentemente vigilantes ao seu avanço. 
Isto significa, segundo Israel Scheffler (1989) que o seu ensino deve respeitar a integridade intelectual dos alunos, levando-os a desenvolver as capacidades envolvidas na formação de juízos independentes. Para tanto é preciso incentivá-los a avaliar as razões que contestam e as que apoiam as ideias, a escrutinar a credibilidade das fontes, e a resistir aos esforços de controlo do seu pensamento. 
Os professores têm de ter muito presente que uma das suas tarefas é levar os alunos a reconhecer que aceitar certas ideias sem as questionar leva-os a fecharem-se num certo modo de pensar, e que no futuro podem confrontar-se com  ideias que os farão rever ideias que antes formaram. 
Não obstante a importância desta abordagem ela parecer estar muito afastada da formação de professores, talvez porque, diz Chris Arthur (2004), o juízo crítico tem sido afastado das universidades, onde tradicionalmente tinha um lugar privilegiado 
Esta dúvida foi suscitada há alguns anos no Reino Unido por John Wilson (1993), que fez notar o facto de os futuros professores estarem a ser usados como "líderes dos fiéis", na “ideologia apropriada”, ao invés de serem incentivados a examinar os discursos educativos. Nos Estados Unidos foi levantada semelhante dúvida a propósito das nas Normas Profissionais (do Conselho Nacional de Acreditação da Formação de Professores - NCATE) que exigem que os professores "conheçam e demonstrem conhecimento do conteúdo e pedagógico, bem como habilidades e disposições necessárias para ajudar todos os alunos a aprender”. Os críticos têm-se referido a esta orientação, que dizem ser uniformizadora, como uma nova ferramenta para impor a conformidade política, na qual, à primeira vista, é difícil detectar o espectro da doutrinação. 
A questão que se põe em termos de formação de professores é a seguinte; de que vale os professores adquirirem conhecimentos se não recorrem a eles de modo inteligente e adequado? Ora, os professores devem, precisamente, ser preparados para terem consciência do seu intelecto e um apurado sentido de responsabilidade. 
Isto implica levá-los a ter abertura mental para exercerem crítica e para agirem em conformidade com as circunstâncias. Por isso, a ideologia tem de ser afastada da formação de professores. É preocupante que os futuros professores sejam levados a adoptar as crenças dos seus professores. 
É preciso deixar bem claro que a propaganda que se faz nas salas de aulas das universidades entrará nas salas de aulas dos outros níveis de ensino.

Helena Damião
(consultora do CFIAP) 

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