quinta-feira, 23 de outubro de 2008

CIVILIZAÇÃO OU BARBÁRIE EM JOHN DEWEY


“À semelhança do que se passa com a vida biológica, a existência da sociedade é devida a um processo de transmissão. É através da comunicação de hábitos de fazer, construir e sentir, por parte dos mais velhos para os mais novos que esta transmissão se processa. Se não acontecer esta comunicação dos ideais, esperanças, expectativas, padrões e opiniões daqueles que mais depressa irão desaparecer do grupo dos vivos para aqueles que começam a fazer parte deste, então a vida social não sobrevive (…). A menos que sejam tomadas medidas de forma a verificar que se processa uma transmissão genuína e completa, qualquer grupo, por mais civilizado que seja, regressa à barbárie e seguidamente ao estado selvagem. De facto, os jovens humanos são de tal forma imaturos que se fossem abandonados a si próprios sem a orientação e ajuda de outros poderiam nem adquirir as competências rudimentares necessárias à própria existência física.”

As palavras acima transcritas são de John Dewey (1859-1952) e foram publicadas em 1916, no seu livro Educação e Democracia. Dewey é um dos autores mais referidos nos trabalhos académicos que se produzem na área da pedagogia. Toda e qualquer dissertação de mestrado ou doutoramento, artigo ou livro que trate da aprendizagem, do ensino, da formação de professores, da educação para a democracia, da educação científica, da educação artística, da teoria e desenvolvimento curricular, dos métodos pedagógicos, inclui, por certo, o seu nome.

De facto, é inegável a influência das teses que formulou nas concepções de ensino que se retomaram ou formaram no passado século. E isso não aconteceu apenas no seu país - os Estados Unidos da América -, cedo chegaram à Europa e, naturalmente, a Portugal. A vastíssima e diversificada obra que produziu poderá justificar este reconhecimento, mas só em parte. Na verdade, os ódios e as paixões que ela desencadeou contribuíram bastante para isso. Muitos foram aqueles que, ainda ele era vivo, o acusaram frontalmente de, com a sua proposta “progressista”, contribuir para a acentuada decadência da educação. Por seu lado, os entusiastas dessa proposta aligeiraram-na e transformaram-na em slogans bem conhecidos como “ensino centrado no aluno”, “preparação para a vida”, “resolução de problemas complexos”, “aprendizagem pela descoberta”, “aprendizagem activa”, etc.

Quem o reconheceu, talvez em primeira mão, foi o próprio Dewey, que passou grande parte da sua vida a procurar esclarecer o sentido das suas palavras. E, nessa tarefa de reposição do que considerava certo, houve aspectos em que insistiu de modo muito vincado: a importância do ensino, o valor do conhecimento e a sua transmissão estruturada. Dewey criticou sobretudo aqueles que, dizendo segui-lo, contribuíam para a não educação ou para a deseducação, ao defenderam a centração na criança, nos seus interesses e no respeito que mereceriam, ao ponto de advogarem a sua não modificação e proporem actividades pedagógicas sem substância. Se alguma coisa este pedagogo e filósofo fez questão de deixar bem vincada foi a necessidade de se assumir a mudança intelectual e axiológica quando se exerce a acção educativa. Ainda que, para se chegar a todos os alunos, e não apenas aos mais privilegiados, como ele defendia, fosse importante ter em conta os seus interesses, que deveriam constituir um ponto de partida, mas nunca um ponto de chegada.

Aos professores atribuiu Dewey essa nobre e difícil tarefa de, partindo dos alunos, proporcionarem experiências de aprendizagem verdadeiramente educativas destinadas a desenvolver a cognição e, assim, assegurarem a manutenção da civilização. Por esta e por outras ideias que veiculou - algumas das quais discutíveis à luz dos conhecimentos actuais - vale a pena a ler a sua obra, na versão original.

Helena Damião
(Consultora do CFPA)

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