Uma das medidas mais destacadas do programa para a educação pública do actual governo é, como toda a gente sabe, a Escola a Tempo Inteiro. Sociedade, em geral, e famílias, em particular, têm-na acolhido de braços abertos. Não se ouvem interrogações substanciais sobre esta expressão de tom totalitário, pelo contrário, tenho constatado largos elogios, apoiados em argumentos do género: os pais trabalham e têm vidas difíceis; as crianças não podem andar pela rua e na escola há quem cuide delas; não são apenas os ricos, que podem pagar os colégios privados, que devem beneficiar de segurança para os filhos...
Não havendo oposição, legitimou-se, como é costume, a medida com a respectiva sigla – ETI – e foi decretado que todas as escolas do primeiro ciclo deveriam disponibilizar, a partir de Setembro de 2006, actividades de enriquecimento curricular – as AECs – como sejam, inglês, música, desporto, apoio ao estudo, expressão plástica...
Decretou-se também que as crianças deveriam poder estar pelo menos oito horas na escola, tempo que tem sido ultrapassado com a boa vontade de autarquias e outros parceiros educativos. Assim, são cada vez mais frequentes os jardins-de-infância e as escolas do ensino básico que têm crianças durante onze a doze horas, por dia e que as acolhem nos fins-de-semana, nos feriados e nas férias. Soube dum jardim-de-infância, perto duma fábrica onde se trabalha por turnos, que se organizou de modo que as crianças lá possam dormir.
Mas não é só esta necessidade que justifica que as crianças pernoitem na escola: ficar na biblioteca para que se aproximem pelos livros e pela leitura, começa a ser uma prática comum.Num Encontro Nacional sobre a Escola a Tempo Inteiro, realizado no Porto nesse ano de 2006, organizado pela Federação Nacional dos Professores, para debater esta “resposta sócio-educativa de qualidade, de acordo com as necessidades das famílias”, sindicalistas e especialistas em educação sublinharam as suas vantagens, sendo de destacar o aplauso do presidente da Confederação das Associações de Pais.Passados três anos esse cenário não parece ter-se alterado e ficamos mais descansados quando este presidente assegura que tal resposta não visa "transformar as escolas em armazéns de crianças", devendo o lúdico ocupar o papel central no “período de apoio à família”.
Por seu lado, avaliadores de craveira internacional que recentemente redigiriam um relatório sobre a política educativa para o primeiro ciclo (2005-2008), por solicitação do Ministério da Educação, elogiaram as reformas empreendidas, com particular destaque para a “oferta de escola a tempo inteiro”, ainda que recomendassem uma revisão do enriquecimento curricular. Como o relatório teve presente “as normas da OCDE”, as suas conclusões só podem estar certas e é de passar a pensar nessa revisão, de modo a aproximá-la o mais possível da oferta privada.A verdade é que esta oferta é inspiradora: apresenta-se, muito frequentemente, como pedagógica, afirmando garantir o desenvolvimento integral e harmonioso da criança, ou seja, o desenvolvimento cognitivo, físico, emocional, afectivo, pessoal, social… dos filhos dos pais muito ocupados.
O conforto, o carinho, a segurança são também aspectos invocados como mais-valias, não se deixando de fora as novas tecnologias da informação e da comunicação.Há escolas privadas abertas 24 horas por dia, todos os dias, que disponibilizam serviços como: banho e jantar da criança; jantar take-away; transporte da criança e do jantar com entrega ao domicílio; actividades extra-curriculares de toda a espécie e feitio, fins-de-semana e férias na praia ou no campo, conforme se preferir; festas de aniversário, com tudo incluído, mesmo o álbum fotográfico…Se, por alguma eventualidade, a saudade assolar o pai ou mãe, poderão espreitar os seus petizes no computador, devidamente conectado com o sistema de vídeo que tudo capta.E, se tiverem dúvidas acerca das suas competências parentais, a escola proporciona-lhe, ainda, formação especializada…
Helena Damião
Consultora do CFIAP