P- Na formação de um professor, qual é o papel da vocação?
R- A vocação é uma espécie de chamamento interior que, de certo modo à semelhança de um chamamento divino, conduz uma pessoa ao ensino e, mesmo sem formação, o torna bom professor. Não negando a importância desse “querer ser professor”, que não sabemos bem de onde vem, eu poria a tónica na sua preparação. Preparação que, reportando-me ao ciclo de conferências da MinervaEditora, Regina Rocha deixou bem claro que tem de ser científica, pedagógico-didáctica e ética. Lembro-me de ter insistido que se falasse na componente didáctica, pelo facto de, nos últimos tempos, esta ter sido muito desvalorizada. Na opinião desta linguista e investigadora, o professor é a pessoa que tem a capacidade de pegar no conhecimento e de o organizar de forma a que o aluno o vá, a pouco e pouco, adquirindo e, assim, formando a sua personalidade. Também Sobral Henriques sublinhou que, neste momento, o professor precisa de ser um "quadro" muito bem preparado, pois a diversidade de questões que se lhe colocam, quer a nível de acompanhamento dos alunos, tendo em vista o sucesso escolar, quer a nível de comportamentos e de atitudes, tornam a sua acção muito difícil e exigente, não podendo ela ser confiada apenas ao tradicional talento ou jeito.
P- Porque é que aprender, só por si, não chega?
R- Sabemos hoje, de modo muito claro, nomeadamente através do estudo de casos de crianças que são privadas de ambiente humano, que o seu estado em pouco ou nada se parece com o estado humano. Se o capital que trazemos à nascença fosse suficiente para nos tornarmos pessoas, dispensaríamos a educação. Ora, muito cedo a Humanidade percebeu que tinha de seleccionar os saberes que melhor poderiam ajudar as novas gerações a sobreviver e a melhorar a própria espécie. E, assim, se criou e expandiu a escola, que é a instituição a que se tem confiado o dever de ensinar e de educar, mas de uma forma estruturada, para que os sujeitos adquiram esses saberes e desenvolvam a sua inteligência – sabemos hoje que a inteligência se desenvolve. Isto para que as sociedades se mantenham e, desejavelmente, se desenvolvam, e também para que a própria Humanidade progrida e possa criar mais conhecimento.
Se dissermos que o professor deve ser apenas um guia, um orientador da aprendizagem, e que devemos deixar, como às vezes se sugere, esta tarefa fundamental ao cuidado das crianças, que ficam entregues a si próprias ou umas às outras, como referiu Hannah Arendt, acreditando que elas têm dentro de si as motivações e os intereresses para procurarem e descobrirem todo o saber que, desde que há memória, conseguimos apurar, em todas as áreas, facilmente se percebe que lhes estamos a pedir uma tarefa impossível, na qual não terão a mínima hipótese de se orientarem.
Facilmente se percebe também que estamos a contribuir para pôr em causa a própria sociedade e tudo o que a Humanidade construiu e ainda tudo o que pode vir a construir. Para responder a esta pergunta, eu poderia até ser mais directa, se usar as palavras da minha amiga Maria do Carmo Vieira, que tem afirmado, com segurança, que a escola tem a obrigação de acrescentar qualquer coisa à vida dos alunos, de todos os alunos, independentemente da sua condição social, económica, cultural, ou outra. E o que tem de acrescentar é a arte, a literatura, a ciência, a matemática… enfim, os saberes mais eruditos, mais perfeitos, que nos permitem, afinal, ser pessoas, no sentido que a palavra “pessoa” tem de ser eu, de sermos nós.
Helena Damião
Consultora do CFIAP
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