“Cada vez que se ensina prematuramente a uma criança algo que ela poderia ter descoberto por si, ela fica impedida de a inventar e, por isso, de a compreender completamente”
(Jean Piaget, 1937).
Esta foi a frase do biólogo, psicólogo e epistemólogo suíço, Jean Piaget (1896-1980), constante sua obra La construction du réel chez l'enfant, datada de 1937, que Nuno Crato recordou e discutiu na sua crónica do Semanário Expresso, de 20 de Dezembro do ano passado. Trata-se duma frase que é frequentemente invocada como argumento de autoridade por académicos e responsáveis por políticas educativas: se Piaget escreveu o que escreveu, então, é verdade.
E o que é verdade? É verdade que a criança não deve ser ensinada, ou seja, direccionada para determinada aprendizagem pelo professor, porque, quando se encontra no momento apropriado para a fazer, é capaz de a fazer autónoma e criativamente (por si só e em colaboração com outras crianças) sendo que (só) desta maneira, atinge a compreensão. Esta ideia de Piaget aparece reforçada numa outra obra de 1969 - Psychologie et Pedagogie -, que foi apresentada como “A resposta do grande psicólogo aos problemas do ensino”.
No tópico dedicado aos métodos activos, este autor adverte para o facto de as actividades educativas proporcionadas à criança não deverem ser entendidas apenas como manipulação de objectos, mas também e, principalmente, como reflexão, abstracção e exploração verbal. Terão, no entanto, de ser espontâneas, e não impostas, sob o risco de permanecerem parcialmente incompreendidas (página 102). Como Nuno Crato notou, temos hoje suficientes dados científicos para afirmar que, no essencial, esta ideia de Piaget está errada: as crianças precisam de ser ensinadas (ou seja, ajudadas pelo professor) para compreenderem e criarem.
Para tanto, não basta o jogo de assimilação e de acomodação ou o jogo da carga genética e da maturação combinadas com a simples exposição ao meio, por muito rico que ele seja. Ou, pelo menos, não basta para se adquirirem saberes e princípios civilizacionais abstractos e eruditos a que atribuímos valor e para se desenvolverem capacidades cognitivas que nos tornam verdadeiramente humanos. Sabemos, portanto, com grande certeza, que os processos de compreensão e de criação não despontam naturalmente: requerem uma estimulação direccionada, que é, no presente, em grande medida, da responsabilidade das escolas e, claro, dos professores, seguida de um trabalho necessário por parte do aluno.
Acontece que os investigadores, mesmo os maiores, enganam-se e, neste particular, como, certamente, noutros, Piaget enganou-se. Mas, como já tive oportunidade de dizer a Nuno Crato, o mais grave não foi este investigador ter-se enganado; o mais grave é, dispondo-se observações empíricos credíveis que apontam em sentido contrário, continuar-se persistir no dito erro. Mais: afirmar-se o erro como um princípio pedagógico inquestionável, sendo invocado para justificar medidas educativas que vão no sentido de deixar as crianças mais ou menos entregues a si própria ou entregues umas às outras, na esperança de que, assim, atinjam a verdadeira compreensão e se tornem criativas.
(Helena Damião, consultora do CFIAP)
Um comentário:
Boa tarde,
Vale a pena, para algumas ideias ainda hoje que colocam a criança ou o aluno como centro global da Escola, ler António Nóvoa.
Parabéns pelo Blog! Sou leitor e seguidor.
JL
Postar um comentário