quarta-feira, 4 de março de 2009

SERVIÇO "LAVADO E JANTADO"


Uma das medidas mais destacadas do programa para a educação pública do actual governo é, como toda a gente sabe, a Escola a Tempo Inteiro. Sociedade, em geral, e famílias, em particular, têm-na acolhido de braços abertos. Não se ouvem interrogações substanciais sobre esta expressão de tom totalitário, pelo contrário, tenho constatado largos elogios, apoiados em argumentos do género: os pais trabalham e têm vidas difíceis; as crianças não podem andar pela rua e na escola há quem cuide delas; não são apenas os ricos, que podem pagar os colégios privados, que devem beneficiar de segurança para os filhos...

Não havendo oposição, legitimou-se, como é costume, a medida com a respectiva sigla – ETI – e foi decretado que todas as escolas do primeiro ciclo deveriam disponibilizar, a partir de Setembro de 2006, actividades de enriquecimento curricular – as AECs – como sejam, inglês, música, desporto, apoio ao estudo, expressão plástica...

Decretou-se também que as crianças deveriam poder estar pelo menos oito horas na escola, tempo que tem sido ultrapassado com a boa vontade de autarquias e outros parceiros educativos. Assim, são cada vez mais frequentes os jardins-de-infância e as escolas do ensino básico que têm crianças durante onze a doze horas, por dia e que as acolhem nos fins-de-semana, nos feriados e nas férias. Soube dum jardim-de-infância, perto duma fábrica onde se trabalha por turnos, que se organizou de modo que as crianças lá possam dormir.

Mas não é só esta necessidade que justifica que as crianças pernoitem na escola: ficar na biblioteca para que se aproximem pelos livros e pela leitura, começa a ser uma prática comum.Num Encontro Nacional sobre a Escola a Tempo Inteiro, realizado no Porto nesse ano de 2006, organizado pela Federação Nacional dos Professores, para debater esta “resposta sócio-educativa de qualidade, de acordo com as necessidades das famílias”, sindicalistas e especialistas em educação sublinharam as suas vantagens, sendo de destacar o aplauso do presidente da Confederação das Associações de Pais.Passados três anos esse cenário não parece ter-se alterado e ficamos mais descansados quando este presidente assegura que tal resposta não visa "transformar as escolas em armazéns de crianças", devendo o lúdico ocupar o papel central no “período de apoio à família”.

Por seu lado, avaliadores de craveira internacional que recentemente redigiriam um relatório sobre a política educativa para o primeiro ciclo (2005-2008), por solicitação do Ministério da Educação, elogiaram as reformas empreendidas, com particular destaque para a “oferta de escola a tempo inteiro”, ainda que recomendassem uma revisão do enriquecimento curricular. Como o relatório teve presente “as normas da OCDE”, as suas conclusões só podem estar certas e é de passar a pensar nessa revisão, de modo a aproximá-la o mais possível da oferta privada.A verdade é que esta oferta é inspiradora: apresenta-se, muito frequentemente, como pedagógica, afirmando garantir o desenvolvimento integral e harmonioso da criança, ou seja, o desenvolvimento cognitivo, físico, emocional, afectivo, pessoal, social… dos filhos dos pais muito ocupados.

O conforto, o carinho, a segurança são também aspectos invocados como mais-valias, não se deixando de fora as novas tecnologias da informação e da comunicação.Há escolas privadas abertas 24 horas por dia, todos os dias, que disponibilizam serviços como: banho e jantar da criança; jantar take-away; transporte da criança e do jantar com entrega ao domicílio; actividades extra-curriculares de toda a espécie e feitio, fins-de-semana e férias na praia ou no campo, conforme se preferir; festas de aniversário, com tudo incluído, mesmo o álbum fotográfico…Se, por alguma eventualidade, a saudade assolar o pai ou mãe, poderão espreitar os seus petizes no computador, devidamente conectado com o sistema de vídeo que tudo capta.E, se tiverem dúvidas acerca das suas competências parentais, a escola proporciona-lhe, ainda, formação especializada…

Helena Damião
Consultora do CFIAP


Um comentário:

ocontradito disse...

Por qualquer razão, talvez por intervenções das Associação de Pais, voltam ao de cima (através de blogs e e-mails) alguns textos de opinião sobre (e contra) as ETIs.

Nomeadamente, são sustento dessas opiniões dois textos de Março e Abril de 2009 do Professor Joaquim Azevedo e do Dr. Daniel Sampaio.
Considero os textos exagerados.
Até demagógicos e mal direccionados.
A ETI é um bem e um bem necessário. Mesmo que por más razões de organização social. Talvez por haver óbvios excedentes na diferença entre as expectativas e as realidades da nossa população. Todos acham ganhar pouco e querer (muito) mais. Ninguém acha poder prescindir de uma parte do rendimento para ganhar algum tempo para si e para os seus. Outros, e isso é mais grave, pura e simplesmente têm que se sujeitar ao que lhes oferecem para poderem ter algum rendimento.

Não vejo qualquer problema que as crianças estejam bem enquadradas, por educadores ou outros técnicos habilitados, no local onde frequentam a Escola.

Vejamos:

Esqueçam a ideia de “Escola” como um edifício.
A “Escola” é o que os pedagogos e os “eduqueses” (os que promovem o eduquês) quiserem. No tempo que entenderem correcto. Decidam, mas não andem (o que é costume) aos zigue-zagues constantes.

O Pólo Educativo será um conjunto de instalações físicas, geridas por uma qualquer entidade e por quaisquer gestores. Não forçosamente (e de preferência não) docentes (estes geriam a "Escola" que tem uma vertente pedagógica) Nesse Polo desenvolvem-se as actividades escolares e… outras quaisquer, nos períodos extra.

Porque quererão os “donos da Escola” se apropriar dos espaços para além do tempo que lhes cabe?

Esses espaços, do Pólo Educativo serão – também - da Escola. Para cumprirem o seu papel. Mas serão da comunidade para suprir outras necessidades nos tempos e períodos sobrantes. Porque não?

Não por 24 horas, mas certamente por 8, por 10 ou, até 12h. Porque não adiantará em nada fechar o Pólo Educativo quando acaba a Escola para assegurar o que os srs. professor e psicólogo defendem (e que todos defenderíamos como um qualquer objectivo lapalaciano): que as crianças ficassem mais tempo com as suas famílias. Ora as famílias não estarão lá…

Assim, logo floresceriam os ATLs manhosos num qualquer rés-do-chão perto das escolas onde os senhores professores se amanharão com mais algum rendimento extra (pago pelas famílias que não estão…) pelo trabalho ali exercido, na sua componente não lectiva (e já pago pela escola, mas durante o qual o srs. professores fazem o que quer).

A Escola não tem que crescer. Por mim até teria que diminuir. Mas aí, logo viriam os sindicatos combater o menos emprego docente resultante da medida. Ou sejam, as verdadeiras razões que fazem com que a Escola em Portugal seja, para os alunos, uma verdadeira cruz…

Não é a ETI (e o que esta traz, para além das actividades Escolares – chamemos-lhe assim) que está mal. O que está mal é mesmo a Escola, com actividades curriculares obrigatórias exageradas (pelo menos a partir do 2º Ciclo).

A ETI é um bem e bem vinda. Experimentem perguntar às famílias (cujos pais ou um deles não seja professor) qual a sua importância…

Por mim só faltará clarificar aquele facto: quando a Escola termina, começam outras coisas. Os “senhores da Escola” podem se ir embora, mas não queiram deixar os espaços fechados a cadeado e os menimos à porta. Estes espaços são da comunidade e aí deverão ser desenvolvidas as actividades necessárias a essa comunidade. Por docentes (irão logo perceber o potêncial de emprego que ali se cria) ou por outros elementos de enquadramento quaisquer.

E, até que a sociedade possa ser diferente (e garantir que as famílias possam trabalhar menos) essas actividades são fundamentais e incontornáveis.

O resto do texto em:

http://ocontradito.blogspot.com/2010/03/fim-as-etis-e-escolas-armazens.html