Há uma faceta dos professores que pouca gente conhece. É o lado do professor que guarda umas horas do seu tempo livre para ajudar os colegas. Tempo livre que tanto é retirado às manhãs de sábado, como aos fins de tarde até à hora do jantar. O voluntariado de uns é, em muitos casos, a principal solução para assegurar a formação de outros. A equação é simples: ou o professor paga a sua formação ou então fica dependente da boa vontade de um grupo de colegas.
A formação docente é obrigatória e gratuita. Pelo menos, é isso que diz a Lei de Bases do Sistema Educativo e o estatuto da carreira docente. Só que a formação financiada é mínima ou inexistente. Os dados mais recentes recolhidos pelos centros das associações de escolas mostram que das 2515 acções de formação prestadas nos primeiros seis meses de 2011, 74,4% foram realizadas com recurso a bolsas de professores ou parcerias (gratuitas) e 16,2% paga pelos próprios docentes. Restam ainda 235 acções (9,3%) suportadas por fundos comunitários ou pelo orçamento do Estado.
As estatísticas demonstram que usar a prata da casa passou a ser uma das principais estratégias dos centros de formação. Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Directores Escolares (ANDE) explica que, regra geral, as direcções das escolas identificam as suas necessidades e indicam os professores com formação acreditada para poderem integrar uma bolsa de formadores, dinamizada pelos centros. “A maioria das escolas e agrupamentos não pode oferecer nenhuma contrapartida, nem sequer está em condições para dispensar estes docentes de tarefas não lectivas.” Mesmo assim, tudo se consegue porque há “uma extraordinária boa vontade dos professores” para que essas acções aconteçam nos períodos pós-laboral.
“No nosso agrupamento [Cinfães] foi assim que se tornaram possíveis as formações para o novo acordo ortográfico ou para os novos programas de português”, explica o dirigente da ANDE, esclarecendo que, apesar de reconhecer ser a “modalidade possível” no actual contexto de crise, não deixa de ser “bastante limitado” quando as escolas querem ir além das necessidades imediatas e planear a médio ou longo prazo.
Voluntarismo. Recorrendo a esta bolsa de formadores, os centros não precisam de se preocupar com o financiamento, já que os que se voluntariam para ensinar e avaliar os colegas não são pagos, conta Ana Paula Vilela do centro de formação da associação de escolas Braga Sul. Durante o ciclo avaliativo de 2009--2011, o centro promoveu 111 acções e só 13 foram pagas pelas escolas. Isso não impede contudo que o volume de trabalho seja menor: “A procura mais do quadruplicou, sobretudo a partir de 2009, quando o modelo de avaliação estabeleceu um mínimo de 50 horas de formação contínua para cada ciclo”.
De resto, o centro sobrevive com as verbas comunitárias que sobraram de 2010. O dinheiro da Europa acabou nesse ano e os centros deixaram de ser financiados: Este ano, ainda dá para aguentar mas, para o próximo, a tutela terá de definir o que pretende dos centros de formação.” Sobreviver, contudo, implica ter um director a trabalhar das 8h30 às 23h00 e só contar com um desempregado a oferecer algumas horas por semana para atender o telefone: “O consultor de formação, por exemplo, continua a acompanhar as acções ou a elaborar relatórios de avaliação, embora já não seja remunerado desde o final de 2010.”
Devagar. O centro de formação do Nordes te Alentejano em coordenação com as 12 escolas associadas chegou a um meio--termo. Há uma tarde de quarta-feira por mês, em que as escolas libertam os formadores das reuniões ou outras actividades escolares para ensinarem colegas. “As acções vão-se fazendo, mas o que podia ser feito num ano tem de ser feito em dois ou três”, conta o director Francisco Simão. No centro de formação da associação de escolas Beira-Mar (Coimbra), o modelo não é muito diferente. Há casos em que a escola “liberta” o professor ou casos em que o formador usa os seus tempos livres para dar formação, diz a directora Evangelina Mendes.
Pagar. A saída para quem ainda não sobrevive só da boa vontade da classe é propor ao professor pagar a formação. O auto-financiamento representa entre 60% e 70% das acções do centro de Almada – 75 euros por uma formação de 25 horas. É um modelo que sempre existiu, conta a directora Adelaide da Silva, mas “se antes era a excepção, hoje é a regra”. Os restantes 30% são repartidos entre verbas da câmara e outras entidades com as quais o centro estabelece parcerias.
O auto-financiamento é um caminho que alguns centros têm resistência em aderir, conta Joaquim Raminhos, director do centro de formação do Barreiro e da Moita e representante dos 27 centros da área de Lisboa e Vale do Tejo: “As dinâmicas variam muito, mas uma boa parte recusa pedir ao docente para pagar a formação, uma vez que a legislação a consagra como um direito da classe.” Ao longo de duas décadas, os centros foram financiados por fundos europeus, mas esses tempos acabaram – diz Joaquim Raminhos – e agora só há dois caminhos: “Ou a tutela assume essa função ou os centros vão ter de encontrar novas dinâmicas de gestão que tanto pode ser o auto-financiamento, como bolsas de formadores nas escolas ou parcerias.”
Solicitar aos professores para pagar a formação é algo que Armindo Carvalho, do centro de formação da associação de escolas de Sintra evita a todo custo. Por enquanto, ainda recebe verbas da câmara. No ano passado não ultrapassaram os 12 mil euros e este ano caíram para 10 mil: “Serve para cumprir um plano mínimo que tem como base os pedidos de 16 agrupamentos e implica apontar para metas com muitas limitações.” Logo à partida estão excluídas as áreas disciplinares, já que o programa tem de ter um “carácter generalista” para chegar ao maior número de destinatários possível. Não há portanto acções específicas para Matemática, Português, ou outra disciplina. É o preço que Armindo Carvalho diz pagar para cumprir a Lei.
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