quarta-feira, 10 de junho de 2009

OS PROFESSORES TÊM QUE TRABALHAR MAIS?




Na entrevista que a jornalista Bárbara Wong fez à senhora presidente do Conselho Nacional da Educação encontro cinco passagens em que ela refere que os professores devem passar a trabalhar mais (aqui e aqui). Transcrevo-as:

- “Hoje em dia, temos mais capacidade para resolver problemas, mas para isso, os professores têm que trabalhar mais. Não podem ser só as famílias, embora estas sejam importantes.”
- “… os professores compreendam as dificuldades dos alunos, insistam e trabalhem muito. Isto é muito importante, para poder resolver, porque se não, os professores dão sempre mais do mesmo.”
- “O que proponho não é facilitismo, mas mais trabalho para os professores.”
- “O professor tem que ensinar mais e de outras maneiras.”
- “É preciso encontrar outra solução que é trabalhar mais e ir mudando os percursos.”

As considerações que, de seguida, faço são baseadas no conhecimento directo que tenho do trabalho de muitos professores com quem, por razões profissionais, contactei ao longo do ano lectivo que está a terminar. Tal conhecimento não é, portanto, científico, no sentido de poder apresentar dados fiáveis sobre o mesmo; é do foro da opinião e, portanto, vale o que vale.

1. Para quem não sabe, o horário dos professores é composto pelas componentes lectiva e não lectiva (desdobrando-se esta em duas componentes: não lectiva de trabalho a nível de estabelecimento e não lectiva de trabalho individual), remetendo, cada uma delas para inúmeras tarefas que todos os professores, sem excepção, têm de desempenhar. A senhora presidente do Conselho Nacional da Educação terá em mente que os professores trabalhem mais nas duas componentes ou só numa dela e, se for este o caso, em qual delas?

2. Neste momento, esses professores que conheço dizem-me, e eu acredito, que não podem trabalhar mais, que lhes é humanamente impossível acrescentar mais tempo e mais tarefas ao que já fazem.

3. Acresce que esses professores, por se importarem com as aprendizagens e com os seus alunos, denotam uma fadiga extrema e um desapontamento enorme por sentirem que, apesar de todos os seus esforços, não conseguiram, durante o ano, fazer o que acham que deviam ter feito: ensinar bem.

4. Esses professores também me manifestam perplexidade, porque, à semelhança da senhora presidente do Conselho Nacional da Educação, toda a gente lhes diz que têm de ensinar “de outras maneiras”, de “ir mudando os percursos”, como se se soubesse, obviamente, quais são eles. Porém, a verdade é que ninguém, por mais especialista que se apresente, se atreve a dizer quais são essas “outras maneiras”, esses “percursos” que se insinua resolverem os problemas com que os professores se confrontam no dia-a-dia.

Não, os professores não “têm que trabalhar mais”: os professores têm, sobretudo, de desempenhar menos tarefas burocráticas. E as tarefas que lhe são atribuídas têm de ser menos dispersas, e convergir para a função de ensino. Isto para que os professores possam trabalhar melhor.

Nota: O leitor que tenha curiosidade em conhecer melhor as funções que estão atríbuídas aos professores, deve consultar o Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro (Estatuto da Carreira Docente) e o Despacho n.º 19117/2008 de 17 de Julho (que orienta a elaboração dos horários dos docentes). Estes documentos, apenas darão uma pequena visão das totalidade de tarefas que os professores efectivamente desempenham.

Helena Damião
Consultora do CFIAP



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